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As Cores do Picolé

  • Neno Brazil
  • 1 de jun. de 2016
  • 4 min de leitura

Nossa Ilha já foi bem menor, pelo menos em número de artistas visuais. Todos os considerados artistas plásticos eram bem conhecidos e considerados como tal, mas não eram muitos. E entrar nesse círculo reconhecido não era tarefa fácil. O caminho eram os Salões de Arte, Concursos e muita dedicação à carreira. Tudo isso sob o olhar de nomes como Harry Laus, João Evangelista, Osmar Pisani, Péricles Prade e outros críticos de peso.

Para mim, desde a geração 60 -70 o ilhéu George Peixoto, “o Picolé”, sempre teve status de guru na publicidade e especialmente no design gráfico, cartaz, anúncio all type, outdoor etc. Naquela época haviam poucos “artistas gráficos”, que eram aqueles que criavam os cartazes para eventos importantes, capas de livros, ilustrações e outros jobs mais sofisticados do que uma simples “arte-final”.

Na mesma geração poderíamos citar Jayro Schmidt, Átila, Max Moura, e anteriormente Hassis, Tércio da Gama, Vechietti, Rodrigo de Haro, ilustres artistas plásticos que trabalharam também com placas, cartazes, logotipos, capas e ilustrações para livros e jornais. Diferente deles, e talvez pelo tremendo sucesso que obteve na sua carreira publicitária, Peixoto diminuiu a arte-pela-arte passando a produzir mais nas pranchetas a arte-aplicada à comunicação.

Mas felizmente de uns tempos para cá, aposentado do ofício da publicidade, agora como ele mesmo diz: ele próprio é o cliente, e tem se dedicado a livre curtição dos materiais que tanto sabe explorar, traçando e colorindo séries de trabalhos feitos de forma preciosa explorando ideias, temas e assuntos para cada série de trabalhos sem fechar questão até agora em nenhum “estilo” ou tema e que generosamente apresenta para nossa pura fruição.

Talvez por conta dessa origem gráfica ele tem optado quase sempre pelo papel como suporte que seu ofício o fez experimentar com pincéis, tintas, aquarelas e o formidável ecoline. A arte da gravura e o desenho em papel já foram consideradas a “música de câmara” das artes plásticas e o design gráfico ou a publicidade alcançam por vezes um estado da arte também.

Acredito que o Peixoto alcança plenamente sua fatura artística nas séries em que se entrega a abstração ou a uma “quase-abstração” de grafismos pop-lúdicos que compõem geralmente um “patern” ou padrão que preenche todo o espaço do trabalho com traços pretos fortes contornando cores marcantes muito bem distribuídas. Na série que apreciamos neste texto, abstratos arranjos entre traços e cores, conduzidos por uma caligrafia invisível, mas definidora, formam os “quadros” ou “quadrados” onde encontramos o estado da arte na composição, no ritmo e na sua rica e já característica paleta de cores.

Peixoto acrescenta à técnica do desenho manual a foto-reprodução destes para que sejam, no espaço da tela virtual RGB do computador, reproduzidos e coloridos. E faz uma opção difícil, são coloridos com uma paleta CMKY – a separação em cores subtrativas utilizadas para impressão em gráficas, herança do ofício. Sua habilidade nesse universo gráfico em constante mutação, apresenta soluções infinitas de grafismos e arabescos que são parentes de coisas tão diversas como Keith Haring, os grafites de rua, abstração geométrica, estamparias hippies, cangas florais, pop-art, HQ e, por vezes, tudo-ao-mesmo-tempo-agora.

Isso tudo é explorado com liberdade e criatividades ilimitadas onde o estilo é não ter estilo e sim o controle de usar um repertório gráfico a ponto de fazer com ele unidade nessa diversidade. No abstrato ou “quase-abstrato” desta série, Peixoto parece que revê seus “background-books” de influências ou referências, reinventando-os e formatando-os de uma maneira que torna ainda mais interessante a fruição dos trabalhos.

A possibilidade de poder apreciar uma série de desenhos tão fortemente gráfica nas suas versões preto-e-branco, bicolor e colorida, ajuda a perceber que os mesmos desenhos ao serem coloridos parecem trabalhos diferentes. Alguns mais que outros, parecem suscitar emoções e leituras diferentes nas duas versões do mesmo: a sóbria em P&B e a festiva com várias cores preenchendo tudo ou a aparentemente mais “simples” bicolor.

Quando apreciamos o desenho somente em preto e branco percebemos melhor certas soluções do repertório dos quadrinhos muito bem inseridas nesse arranjo de traços que se apropria de várias linguagens gráficas e até caligráficas equilibrando-as de forma nova a cada um dos desenhos da série. A versão preto e branco dos desenhos mostra também todo valor do traço que chega muitas vezes a superar as leis da gestalt e se faz figura. A cor entra para iluminar esses trabalhos coloridos e bicolores transformando-os muitas vezes em “álter egos” da mesma versão em P&B.

Peixoto equilibra as cores com maestria deixando algumas vezes vasar aqui e ali o branco do suporte, trabalhando nos limites do “quadr(ad)o” definidor do desenho ou então colorindo os espaços entre os traços sem nunca perder seu ritmo vibrante.

Todas as reproduções são assinadas e com a tiragem na melhor tradição da gravura e, assim como a litografia originou o off-set das gráficas - um tipo de gravura de alta tiragem - diante das impressoras digitais abre-se a nova possibilidade de gravuras digitais. Os desenhos originais ficam na coleção particular do artista.

Resta a nós fruidores então, deixar-se perder na aparente leve psicodelia lúdica carregada de referências e sintaxes destas “gravuras/pinturas” digitais e ainda escolher entre as versões com mais ou menos cores desses traçados para buscar uma beleza ou poesia que mais lhe agrade ou sensibilize nestes trabalhos.

Aliás, a unidade conseguida pelo artista nesta série, em que cada um dos desenhos tem uma personalidade própria, vem do ritmo sensível que o traço do Peixoto imprime nas formas, na sabedoria das cores e na elegância das suas composições.

Parece até aquele nosso disco de vinil preferido em que tanto o lado A como o lado B só tem faixas ótimas.

Neno Brazil

É artista visual, designer gráfico e diretor de criação.

 
 
 

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